sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A democracia e o rio que passa na minha aldeia

(no ano do centenário da República Portuguesa)

Todos nós, por vezes, tendemos a responsabilizar o sistema político que nos rege por medidas ou situações lesivas do bem comum, laxistas ou coniventes com interesses económicos particulares.

Outro dia, um bom e antigo Amigo, pessoa sábia, tolerante e empenhada em contribuir para o progresso e o desenvolvimento da Sociedade em que está inserido, desabafava contra a poluição do rio que nasce na sua aldeia e passa pela cidade onde vive afectando as populações ribeirinhas. Culpava o nosso sistema democrático e a modernidade que lhe está associada por tal situação.

Efectivamente, esta situação arrasta-se há muitos anos tendo origem na acção criminosa de agentes económicos incultos e sem o menor sentido cívico que sobrepõe a ganância ao respeito pelo ambiente em que eles próprios, os seus filho e netos vivem e viverão.Impunemente, beneficiando de cumplicidades familiares e de vizinhança e da "vista grossa" dos poderes públicos, mercê de donativos para as campanhas de políticos locais (segundo se fala à boca pequena), lá vão repassando para todos nós os custos do não tratamento dos resíduos das suas explorações e guardando para si os lucros anormais dos seus negócios.

Como o meu lúcido Amigo acrescentou também é disso exemplo o endividamento brutal da Autarquia para construir um estádio de futebol que está quase sempre vazio, apenas interessando a quem o construiu e o mantêm e a quem explora os negócios do clube de futebol. Outro exemplo será o estado de degradação a que está votado o centro histórico da cidade, pois a sua reabilitação não interessa aos promotores imobiliários locais, que preferem terrenos "limpos", que permitam especulação com terrenos e tenham maior densidade de construção. Todos estes exemplos e muitos mais poderíamos citar são demonstrativos de que, muitas vezes, os leitos não prosseguem a satisfação do bem comum, parecendo que estabelecem relações promiscuas entre a política e interesses económicos particulares.

Será que está no sistema democrático a origem destes males?
Tal como entendo que o sistema de justiça não é culpado por alguns dos seus agentes orientarem as suas investigações e decisões com fins políticos, também o sistema democrático não é culpado por haver alguns(poucos) agentes económicos criminosos e alguns(poucos) políticos e agentes da administração pública corruptos.

A democracia tem defeitos e efeitos perversos mas, como afirma Jacques Derrida, "ser democrata, será reconhecer que não vivemos nunca numa sociedade suficientemente democrática" e, na mesma linha, Alfred Smith afirma que "todos os estragos da democracia são remediáveis por mais tempo de democracia".

A democracia pressupõe, entre outras, a Liberdade de exprimir o pensamento, de criar, de concordarmos ou discordarmos das medidas que são tomadas, de nos candidatarmos ao exercício de cargos políticos ou de não o fazer, de prosseguir a actividade económica que desejarmos retirando dela a justa compensação.

A democracia também pressupõe a Igualdade de direitos, deveres e oportunidades, de modo a que apenas o mérito de cada um seja factor de promoção económica e social. Para isso é necessário que a saúde e a educação sejam colocadas pelo estado democrático à disposição de todos, em quantidade e em qualidade. A democracia pressupõe que a igualdade de condições entre os seus cidadãos e ninguém poderá ser constrangido por carência de recursos económicos, sexo, raça ou convicções no seu desenvolvimento pessoal. Só assim asseguramos que as elites serão formadas pelos mais sábios, melhores e mais capazes. As leis deverão ser iguais para todos e assegurado a todos, em igualdade de condições, o acesso à Justiça, independentemente da condição económica de cada um. Do mesmo modo, só a igualdade e livre concorrência entre agentes económicos nos mercados permite a inovação e o progresso material, em suma, a satisfação das necessidades dos cidadãos em cada vez melhores condições. Para isso, é necessário que o estado democrático defenda e promova a concorrência, controlando e regulando fortemente as formas imperfeitas de mercado, designadamente os oligopólios, oligopsónios, monopólios e monopsónios, de modo a que o abuso de posições dominantes não perverta a prossecução do bem comum. Pela mesma razão, entendo que o estado democrático deverá manter na sua esfera os monopólios naturais.

Finalmente, a democracia pressupõe a Fraternidade entre os cidadãos. A aplicação deste princípio ético, promotor da coesão social entre cidadãos traduz-se, por exemplo, no pagamento de impostos sobre os rendimentos de cada um com taxas progressivas e em despesas sociais (tais como as despesas com saúde e educação)iguais e universais. A fraternidade legitima o apoio do estado democrático aos cidadãos mais frágeis e carenciados.

Em síntese, os pilares em que assenta o sistema democrático serão a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.

É possível que qualquer déspota iluminado também procure por em prática estes princípios e valores mas apenas no estado democrático eles serão definidos, controlados e aplicados de acordo com a vontade da maioria dos cidadãos livremente expressa.

Para terminar, estou inteiramente de acordo com Churchill quando este escreveu que a democracia é o pior sistema político, com excepção de todos os outros...

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